Uma parte importante da sua compreensão é a de que a agilidade não pode ser imposta pelo topo. Cresce a partir da base. O aval da gestão tem de existir, mas são as pessoas que implementam a agilidade. O que implica rotinas e processos. E, como sabemos, os hábitos não se formam de um dia para o outro — requerem prática e habituação até se tornarem automáticos. Dito isto, não é possível haver um big bang da agilidade numa empresa. Será sempre necessário um processo gradual que a torna na espinha dorsal da cultura de uma organização.
Para isto acontecer, existe um conjunto de pressupostos que todos os gestores devem ter em conta. Comecemos pela organização das equipas. Em vez de grandes esquadrões de especialistas, teremos várias equipas de reduzida dimensão, multidisciplinares e com competências e capacidade de tomada de decisão. No papel parece ótimo, mas as barreiras culturais são enormes. Pense-se que, por um lado, os diretores sentir-se-ão esvaziados do seu controlo, e que, por outro, as pessoas têm uma resistência natural em assumir uma decisão sem validação hierárquica. Um desafio duplo que contrasta muitas vezes a vontade expressa com a ação efetiva.
Depois, a forma de trabalho será também ela distinta. A gestão de projetos tradicional é, nos pressupostos da agilidade, substituída por uma forma de trabalho que se assemelha em parte a alguns trabalhos de escola. Ao invés de fragmentar as responsabilidades entre si (o famoso “cada um faz a sua parte”), os membros das equipas trabalham e colaboram para desenvolver em conjunto o melhor resultado possível. Veja-se esta diferença entre resolver um enunciado de matemática e escrever uma composição de língua portuguesa. No primeiro, é possível que cada um resolva uma alínea por si (respeitando as devidas precedências), mas se cada um escrever um pedaço do texto, por si, resultará numa composição inconsistente, dissonante e a necessitar de reformulações.
Num terceiro ponto, a agilidade necessita que quem nela participa tenha maturidade de feedback — para dar e receber. Ninguém gosta de ver o seu trabalho ser alvo de crítica, e, nesse sentido, constitui um desafio enorme a criação de uma cultura de feedback de melhoria contínua e construtiva, onde o foco é o resultado e não a exposição da pessoa. A falta de segurança psicológica, desresponsabilização, egoísmo, “Não foi isso que eu disse” — são todas questões incompatíveis com uma agilidade que ultrapassa a simples check-list de tarefas a coloca a relação humana no centro da mudança.
Todas as metodologias ágeis são manifestações de uma transição com as pessoas em mente. Algumas abordam os processos do dia a dia, como é, a título de exemplo, o caso do Scrum ou KanBan. Cada uma com a sua terminologia e rituais próprios, como sprints, retrospective, backlog, entre tantos outros conceitos que trazem consigo os princípios ágeis do manifesto original. Outras metodologias focam-se na avaliação, como nos, por mim já abordados noutras ocasiões, OKR (objectives and key results). E até algumas abordagens mais estratégicas com o SAFe (Scaled Agile Framework) ou o ART (Agile Release Train).
No entanto, algumas questões ainda se encontram por responder: Quem controla o orçamento? Em que estrutura consolidada se alocam as pessoas? Quem gere o recrutamento, promoção e progressão na carreira? Que funções devem ser centralizadas ou partilhadas entre equipas? Confesso que ainda não encontrei resposta para algumas delas, mas é um processo em curso que aumenta a felicidade interna, a produtividade e o valor criado para a sociedade.
É abraçar a transição para a agilidade que constitui o desafio primordial da gestão. Acima de tudo, o preço de atrasar essa decisão — talvez seja hoje o maior custo escondido de uma empresa.
Artigo publicado na Executive Digest, a 20 de janeiro de 2023.